Panorama do Mercado - Abril de 2025

André Falcão, CGA
Economista
21/4/2025

Internacional

Fizemos uma análise extensa sobre o tarifaço de Trump no último panorama. Desde então, muita coisa aconteceu, mas o cenário base é o mesmo. Trump enxerga que o grande problema dos EUA é o déficit comercial — importações maiores que exportações — e a solução deve vir por meio de tarifas elevadas sobre praticamente qualquer parceiro comercial. Países aliados, rivais estratégicos e até pequenas ilhas passaram a enfrentar sanções tarifárias extremamente elevadas.

O tarifaço se justifica?

Alguns tentam justificar esse movimento alegando que o déficit comercial gera dependência externa, fortalece a indústria de possíveis rivais — leia-se China —, incentiva o endividamento e gera desemprego. O primeiro ponto merece de fato uma atenção especial: a dependência de cadeias produtivas externas é um problema real que ficou evidenciado na pandemia e na guerra da Rússia contra a ucrânia. Já os outros dois argumentos encontram fraquezas. Déficits comerciais, especialmente para quem emite a moeda de reserva global, são absolutamente normais. O mundo inteiro demanda dólares, o que naturalmente cria fluxos de capital e comércio que tornam o déficit uma consequência, não uma falha.

Tributar um país como o Vietnã em 46%, na esperança de trazer de volta para os EUA a indústria de calçados, causa estranheza. Ainda mais em um país com pleno emprego, como os EUA, onde não há mão de obra disposta a voltar para o chão de fábrica desses setores. A verdade é que a indústria americana se transformou, e tentar recuperar empregos perdidos há décadas via tarifa é ignorar completamente a dinâmica atual do mercado de trabalho. O foco poderiam ser indústrias chaves no contexto geopolítico, como a chips, que hoje está atualmente concentrada em Taiwan, que vive sobre ameaça chinesa.

Além disso, a associação entre déficit comercial e endividamento público é falaciosa. Ninguém obriga o Tesouro americano a emitir dívida. Fazem isso porque podem emitir novos títulos a juros baixos, graças a confiança e a demanda de um mundo que sempre busca o dólar. 

Contudo, hoje, a dívida pública americana já supera os 120% do PIB, com custo de financiamento em torno de 4%, patamar elevado para os padrões americanos. Nesse contexto, se o problema é o endividamento caro, o caminho óbvio seria cortar gastos e controlar a inflação. Isso abriria espaço para uma queda de juros, que ajudaria a desvalorizar o dólar e, de quebra, melhorar a balança comercial. No lugar disso, optaram pelas tarifas, que têm baixo poder arrecadatório e ainda pressionam os preços para cima. 

E pior que a escolha da ferramenta tem sido a execução. O governo Trump começou anunciando tarifas recíprocas, o que o mercado aceitou a princípio. Afinal, parece razoável: se pago 30% de impostos para vender ao país X, por que aceitar receber apenas 5% de tarifa na outra ponta? Existe uma lógica nesse argumento.

Contudo, o governo americano não quis enfrentar a complexidade de calcular reciprocidade real, que exigiria olhar para alíquotas por produto, barreiras não tarifárias, cotas, subsídios e incentivos à produção. Ao invés disso, a equipe econômica simplesmente dividiu o déficit comercial com cada país pelo volume das importações. 

Ou seja, quanto maior o déficit que os EUA têm com determinado país, maior a tarifa. Mesmo que seja a pequena ilha de Saint-Pierre e Miquelon, com seus 6 mil habitantes que agora arcaram com uma tarifa de 50% sobre todas as suas exportações para os EUA, que somaram apenas 3 milhões de dólares em 2024.

Apesar do absurdo, casos como esse serviram para deixar claro o real diagnóstico de Trump. Não importa se um país está de fato impondo barreiras aos EUA. Basta exportar mais do que importa para os americanos para entrar na lista negra.

Tanto é que o Brasil ficou com uma tarifa de apenas 10%. O que foi considerado como vitória, mas na verdade o mérito é apenas da nossa balança comercial com os americanos, como comentado no último Panorama: 

“A busca de Trump por reequilibrar déficits comerciais tende a direcionar sua política para países onde os EUA possuem déficits substanciais. Isso pode reduzir o ímpeto do governo americano em adotar medidas drásticas contra o Brasil.”

Ou seja, apesar de haver muitos argumentos que justificassem uma tarifa maior, como as alíquotas mais elevadas e as cotas de importação, o Brasil passou despercebido por sermos um dos únicos países com déficits com os EUA.

Quais as consequências das medidas de Trump?

Na tentativa de racionalizar e antever os impactos econômicos das tarifas, um estudo da UFMG estimou que as medidas protecionistas de Trump devem provocar uma retração de 0,48% no PIB americano, o que representa uma perda de quase US$ 93 bilhões — quase três vezes maior do que a perda estimada para a China. A explicação é simples: os EUA aplicaram tarifas contra praticamente todos os parceiros comerciais, enquanto a China concentrou sua resposta nos EUA, permitindo alguma substituição de fornecedores. O estudo também projeta uma queda de 0,16% no PIB global (US$ 128 bilhões) e uma retração de 2,8% no comércio mundial (US$ 592 bilhões). E o Brasil? Pode ganhar US$ 350 milhões no PIB, puxado quase que exclusivamente pelo desvio de comércio das commodities como a soja.

Mas essas projeções podem simplesmente perder a relevância, já que o presidente americano pode mudar as alíquotas da noite para o dia. A política de Trump está pressionando a inflação, derrubando a confiança dos investidores, afetando a atividade e deixando o país mais isolado no cenário internacional.

Mesmo aliados históricos como Canadá, Japão e União Europeia já ensaiam respostas autônomas. A construção de novos acordos comerciais sem os EUA pode virar um projeto concreto. A retórica da reciprocidade se esvaziou, e o pragmatismo passou a guiar as decisões das outras potências. O resultado disso é o fortalecimento da fragmentação geoeconômica, a aceleração do processo de desglobalização e o avanço dos gastos militares. Menos integração econômica, mais orçamento bélico. Um mundo menos conectado e mais armado é, invariavelmente, um mundo mais perigoso.

O próprio Trump recuou parcialmente, suspendendo por 90 dias a elevação de tarifas para a maioria dos países — com exceção da China, que agora enfrenta tarifas superiores a 100%. Ainda assim, o estrago já foi feito. A credibilidade foi abalada, e o recuo não convenceu. O mercado entendeu o gesto como uma pausa estratégica, não como um abandono da política. E é exatamente isso que parece ser.

A probabilidade de recessão nos EUA já circula na casa dos 60%, e não é difícil entender por quê. O tarifaço age como um choque de oferta: encarece os bens importados, reduz a renda real disponível, desestimula o consumo e paralisa o investimento. O efeito é amplificado pela incerteza. Quando não se sabe quais insumos estarão disponíveis, nem sob que regime tributário, o empresariado adia decisões. A consequência direta é queda no CAPEX e deterioração nas expectativas. O consumo também sente. A poupança precaucionária sobe, o apetite por bens duráveis cai, e a economia perde fôlego. 

Gráfico, DiagramaO conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.
Figura 1: Probabilidade de Recessão de acordo com o JP Morgan

Sobrou para o Fed

Esse cenário empurra o Fed para um dilema:  manter os juros elevados para combater a inflação causada pelas tarifas, ou baixá-los para controlar a desaceleração da economia. 

Enquanto isso, o tesouro americano começa a enfrentar dificuldades. O teto da dívida se aproxima, a arrecadação decepciona, e o plano de cortes de impostos do governo encontra resistências até dentro do Partido Republicano. Tudo indica que a questão fiscal será o próximo grande problema em Washington.

A deterioração fiscal agrava o problema cambial. O dólar começou a perder valor não por uma decisão coordenada de desvalorização, mas por perda de confiança. A instabilidade política e o improviso na política econômica enfraquecem o apelo do dólar como ativo seguro. Isso quebra um dos principais pilares da hegemonia americana: o papel do dólar como porto seguro global. 

A estratégia de Trump se beneficia de dólar fraco, já que isso reduziria os déficits, mas ele está conseguindo isso pelo pior caminho. Em vez de gerar um ambiente estável que permita corte de juros e ajuste cambial via política monetária, está provocando uma crise de confiança que desvaloriza o dólar por fuga. 

Acreditamos que o dólar não perdeu sua importância, principalmente dentro de uma carteira de investimentos. mas ele parece estar deixando de ser incontestável. O que virá a seguir depende do quanto os EUA conseguirão estabilizar sua política doméstica e mostrar alguma previsibilidade. Além disso, para que de fato o dólar perca seu status de reserva global, é preciso que haja um substituto claro. Hoje, não há nenhum candidato forte o suficiente para tal. O yuan sofre com o controle cambial e a desconfiança dos mercados. O euro, por sua vez, representa uma economia estagnada e sem protagonismo geopolítico.

Resumindo: o que podemos concluir até então

Em um cenário como esse, marcado por incertezas, vale avaliar o que já podemos concluir:

O que sabemos:
Contrapontos:

Saiba mais:

Brasil

Enquanto isso, no Brasil, apesar de não termos nenhuma notícia realmente positiva recentemente, parece que estamos observando uma melhoria relativa. Ou seja, quando China e EUA se enfrentam em uma guerra comercial, a Europa aumenta os gastos públicos com despesas militares, e os demais países enfrentam tarifas excessivas de um dos seus principais parceiros comerciais, o Brasil acabou pegando a tarifa mínima. Essa situação pode até ajudar na inflação, caso a China aumente as trocas comerciais com o nosso país.

Em termos relativos, o Brasil pode até se beneficiar, principalmente em market share para alguns produtos, como a soja. Porém, em um cenário mais pessimista de recessão global, não devemos escapar ilesos. Para entender melhor:

Em um cenário de dumping, ou seja, quando o excesso de produção industrial da China é despejado no Brasil devido à diminuição das compras dos EUA por conta das tarifas, podemos ver um efeito positivo com a desaceleração da inflação e a possibilidade de queda de juros. Porém, isso terá um efeito negativo na balança comercial, pressionando ainda mais as importações, o que pode enfraquecer o real. Esse cenário de fatores opostos torna difícil precisar o impacto final sobre a inflação e juros.

Porém, apesar do ruído externo, os problemas do Brasil não desapareceram. O país continua enfrentando um problema fiscal cada vez mais difícil de resolver, devido à falta de compreensão sobre a importância dessa questão por parte do executivo e do legislativo. Isso torna provável que o ajuste venha por meio da inflação.

Novas regras do Minha Casa Minha Vida e o desencontro entre política monetária e fiscal

O governo anunciou a criação de uma nova faixa no programa Minha Casa Minha Vida, permitindo que famílias com renda de até R$ 12 mil possam financiar imóveis de até R$ 500 mil, com juros em torno de 10% ao ano — abaixo dos praticados hoje no mercado. A medida amplia o alcance do programa para a classe média e representa, na prática, mais um estímulo à economia via crédito direcionado.

Do ponto de vista social, pode ser uma boa notícia para quem quer comprar um imóvel. Mas, macroeconomicamente, o movimento evidencia mais uma vez o desalinhamento entre a política do governo e a do Banco Central. Enquanto o BC tenta conter a inflação e manter juros elevados, o governo acelera por fora com crédito subsidiado. É como se uma perna estivesse tentando desacelerar e a outra, ao mesmo tempo, pisasse no acelerador.

Esse tipo de conflito reduz a eficácia da política monetária e atrasa o processo de queda estrutural dos juros. Pressiona a demanda num setor de alto impacto, alimenta a inflação e exige mais esforço do Banco Central para atingir suas metas. É mais um capítulo da já conhecida dificuldade do Brasil em alinhar política fiscal e monetária — e mais um fator de incerteza no caminho para juros menores. Enquanto essa dissonância persistir, o país seguirá patinando entre estímulos mal calibrados e uma política monetária forçada a compensar os excessos.

O que fazer na carteira de investimentos

Um ambiente global de incerteza elevada, volatilidade crescente e risco real de recessão, temos evitado movimentos extremos e minimizando a exposição a risco. O mercado de ações americano segue caro, com múltiplos esticados, e o cenário macro atual não favorece uma alocação agressiva em ativos de risco.

Nos EUA, seguimos com recomendação de dar preferência à renda fixa, especialmente papéis com grau de investimento, que tenham um baixo risco de crédito em um cenário de recessão. Com os juros ainda em patamar elevado, esses ativos oferecem boa remuneração e têm potencial de valorização caso o Fed inicie um ciclo de cortes de juros — o que pode acontecer se a desaceleração da economia americana se confirmar, forçando o banco central a agir para sustentar a atividade.

O destaque do ano continua sendo o ouro. Em um mundo onde o dólar perde força como ativo seguro, o ouro reafirma seu papel histórico de proteção. É o ativo que melhor responde ao cenário atual: juros em queda, inflação pressionada, dólar instável e guerra comercial entre as duas maiores economias do planeta. Apesar da alta expressiva nos últimos 12 meses — próxima de 40% —, ainda não é hora de abandonar a posição.

No Brasil, apesar das tensões externas, os preços continuam atrativos — tanto na renda fixa quanto na variável. Mas não é hora de euforia. Os ruídos lá fora não apagam os problemas internos. A questão fiscal segue sem solução, dificultada pela falta de consenso entre Executivo e Legislativo. O risco é que o ajuste acabe vindo via inflação — por isso, seguimos priorizando ativos atrelados ao IPCA, que hoje oferecem uma remuneração real bastante interessante.

Volatilidade é o novo normal. Em tempos assim, diversificação e prudência continuam sendo os melhores conselhos.

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