Panorama do Mercado - Abril 2024

André Falcão, CGA
Economista
16/4/2024

Panorama do Mercado

Crise na China: Como isso afeta o Brasil?

Em 2021, alertamos sobre os riscos de investir na China, antecipando uma deterioração no cenário econômico. Hoje, a situação se agrava com a crise imobiliária, redução do consumo, crescimento do PIB abaixo do esperado e tendência de decréscimo populacional, sinalizando o declínio do modelo chinês de crescimento. Desde a publicação do artigo, o ETF de ações chinesas caiu 46,22%.

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Figura 1: Rentabilidade do ETF XINA11 desde a divulgação no artigo pela Múltiplos

Para entender a atual crise e fraqueza econômica chinesa, precisamos voltar no tempo. A transformação da China em uma potência econômica começou na década de 1980 com reformas que abriram o país para o investimento estrangeiro e incentivaram a industrialização. O crescimento foi impulsionado pelo setor imobiliário e pela construção, beneficiados por políticas governamentais favoráveis e um influxo massivo de capital.

A trajetória econômica da China tem semelhanças notáveis com a experiência de outros países asiáticos, particularmente o Japão. O Japão, após seu “milagroso” crescimento econômico no pós-guerra, entrou em uma fase de estagnação a partir da década de 1990. 

Da mesma forma, a China, que tem desfrutado de um crescimento econômico impressionante nas últimas décadas, agora enfrenta desafios significativos que ameaçam desacelerar sua economia. Ambos os países seguiram um modelo de crescimento baseado na exportação e no investimento pesado em infraestrutura e indústria. No entanto, esse modelo chegou a um ponto de retornos decrescentes, onde o investimento adicional não gera o mesmo crescimento econômico de antes.

Exemplificando: Construir um trem-bala que liga leste-oeste do país traz retornos econômicos relevantes e contribuem para o crescimento da produtividade. O segundo trem, ligando norte-sul, também. No décimo trem, os ganhos são marginais, a logística já está avançada e eficiente e o aumento proporcional que o investimento em infraestrutura fornece é decrescente.

Além disso, um dos principais motores do crescimento chinês foi sua abundante população que, saindo da pobreza e do trabalho no campo, forneceu por décadas uma mão de obra barata para a indústria em ascensão. Contudo, esse cenário está mudando radicalmente com a perspectiva de declínio populacional ao longo dos próximos anos após o aumento da renda per capita chinesa, mudanças de hábito da população e por conta de programas desastrosos do estado, como a política do filho único.

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Figura 2: Projeção Populacional para a China de acordo com a ONU

Nesse contexto, a China ainda possui o desafio de fortalecer seu balanço fiscal e desenvolver autossuficiência em insumos para suportar as crescentes sanções econômicas do Ocidente em um cenário geopolítico cada vez mais crítico.

Nesse cenário, a desaceleração chinesa pode levar a uma "exportação de deflação", com a redução do consumo interno chinês e a consequente queda nos preços dos produtos exportados pelo país. Isso pode baratear os produtos chineses no mercado internacional, aumentando a concorrência para as empresas internacionais.

Para o investidor brasileiro, isso significa navegar em um cenário incerto. A China é um dos principais parceiros comerciais do Brasil, e uma redução na demanda chinesa por commodities pode impactar negativamente as exportações brasileiras. 

Acontece que o Brasil foi um dos países que mais se beneficiou do boom imobiliário com urbanização e ganho de renda per capita da China. O mercado chinês se tornou nosso principal destino de exportações. É natural questionar se a força brasileira na produção e exportação de minério de ferro e soja, por exemplo, se mantém num contexto de transição econômica chinesa.

Acreditamos que empresas brasileiras que dependem da exportação para a China, especialmente aquelas ligadas ao setor imobiliário em declínio, como siderúrgicas, também podem sofrer. Exemplos incluem Vale, Gerdau e outras siderúrgicas, que enfrentarão desafios diante da crise imobiliária chinesa e da queda na demanda por aço.

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Figura 3: Preço do aço no mercado internacional

Seguimos vendo a China como um mercado em que não é viável investir, não apenas devido à atual fragilidade econômica, mas também pela alta intervenção do estado. Aconselhamos os investidores brasileiros a evitarem empresas com dependência da economia chinesa, focando em empresas brasileiras resilientes e em mercados sólidos.

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O fim do experimento monetário japonês

A recente decisão do Banco Central do Japão (BOJ) de elevar as taxas de juros marca um pivô para a economia japonesa. Enquanto esta mudança sinaliza um movimento em direção à normalização da política monetária, ela também destaca uma preocupação crescente: a dívida pública elevada do Japão.

O Japão detém o título indesejado de ter a maior dívida pública em relação ao PIB entre as nações desenvolvidas, ultrapassando duas vezes o tamanho de sua economia. Esse nível de endividamento já era motivo de preocupação em um ambiente de juros baixos ou negativos. No entanto, com a trajetória de elevação das taxas de juros, o custo dessa dívida deverá aumentar, colocando uma pressão adicional sobre as finanças públicas do país.

O aumento das taxas de juros significa que o governo japonês terá que pagar mais para financiar sua dívida. Isso pode levar a um ciclo vicioso em que o governo precisa emitir mais dívida para cobrir os custos adicionais, agravando ainda mais o problema. Além disso, um aumento nos custos de financiamento da dívida pode limitar a capacidade do governo de implementar políticas fiscais expansionistas, que têm sido um componente chave da estratégia de estímulo econômico do Japão.

A situação é complicada pelo fato de que a população do Japão está envelhecendo rapidamente, o que aumenta a pressão sobre os gastos públicos, especialmente em saúde e previdência social. Isso pode exigir cortes em outras áreas ou aumentos de impostos, que poderiam ter efeitos adversos sobre o crescimento econômico.

A elevação das taxas de juros também pode ter implicações para o setor privado, aumentando os custos de empréstimos para empresas e consumidores. Isso pode desacelerar o investimento e o consumo, dificultando ainda mais a recuperação econômica do Japão.

Diante desses desafios, o governo japonês e o BOJ precisarão navegar cuidadosamente no caminho da normalização da política monetária, equilibrando a necessidade de controlar a inflação e estimular o crescimento econômico com a sustentabilidade fiscal de longo prazo. O fim da era dos juros negativos no Japão é um passo importante e simbólico para o mundo, mostra que o que aconteceu após a crise de 2008 nas economias dos EUA e Europa, quando os juros ficaram próximos de zero, é insustentável. 

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Atualizações sobre a trajetória dos juros no Brasil e nos EUA

Podemos fazer muitos paralelos entre a trajetória dos juros no Brasil e nos Estados Unidos. Em ambos os países, a economia está acelerando, mas enfrenta desafios significativos, como dívida alta, juros elevados e inflação persistente. 

No Brasil, o Banco Central tem adotado uma postura conservadora na condução da política monetária, realizando cortes de juros graduais diante da atividade econômica robusta e da inflação mais persistente do que o esperado. Esta abordagem reflete a preocupação em não estimular excessivamente a economia, evitando assim reacender pressões inflacionárias. É provável que esta cautela continue orientando as decisões do Banco Central, com cortes de juros moderados e bem calibrados.

Na última decisão de juros, na última reunião do Copom em 20/03/24, o Bacen fez mais um corte de 0,5p.p. na Selic, que chegou a 10,75%a.a. O Banco Central também manteve a projeção de mais um corte de mesma magnitude para a próxima reunião. O destaque foi que a projeção se limitou a próxima reunião, deixando espaço aberto para uma desaceleração na queda de juros à espera de resultados da economia local e, da decisão do FED, o Banco Central Americano.

Nos Estados Unidos, a situação é semelhante, porém com particularidades próprias. A dívida pública americana ultrapassou impressionantes US$ 34 trilhões, representando um desafio quase insuperável para a sustentabilidade fiscal do país. Isso impacta diretamente as decisões de política monetária do Federal Reserve (FED), que enfrenta o dilema de equilibrar o estímulo à economia com o controle da inflação em um contexto de mercado de trabalho robusto. Assim, é esperado que a redução das taxas de juros ocorra de forma mais lenta.

Apesar de, como visto no tópico anterior, a situação na China pode oferecer algum alívio às pressões inflacionárias globais, o contexto em outras partes do mundo permanece desafiador. Nos EUA, os cortes de juros provavelmente não serão tão intensos quanto o mercado previa no início do ano, enquanto no Brasil, é improvável que os juros caiam abaixo dos 9% ao ano. 

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Figura 4: Diferencial de Juros Brasil vs EUA e expectativas de cortes dos juros americanos (Elaboração: Kinea)

Em suma, com a nova perspectiva de uma queda de juros mais fraca nos EUA dado a atividade econômica mais resiliente, o Banco Central Brasileiro passará naturalmente a olhar com atenção ao diferencial de juros do Brasil vs EUA (Figura 4). 

Um corte de juros excessivo no Brasil, sem a contrapartida do FED, pode levar a uma desvalorização do Real e o fortalecimento da inflação. Ou seja, os juros por aqui e nos EUA vão sim continuar caindo, mas é preciso calibrar as expectativas sobre a intensidade dessa queda. 

Diante desse cenário, ativos de proteção e reserva de valor, como o ouro, ganham destaque, especialmente em um contexto geopolítico conturbado. Nos Estados Unidos, seguimos posicionados em Renda fixa, mas evitando prazos muito longos, dada a incerteza da trajetória de juros de longo prazo e dívida elevada. 

No Brasil, ainda existe uma janela para alocação em títulos prefixados e atrelados à inflação com prazos médios, que ainda oferecem taxas atrativas. Mas, caso confirmada a redução no ritmo de corte de juros, torna-se mais difícil o sucesso de estratégias de marcação a mercado com títulos públicos, por exemplo.

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