Panorama do Mercado - Agosto 2024

André Falcão, CGA
Economista
16/8/2024

Alta de juros no Japão – o fim de uma era

O Japão, por décadas, foi sinônimo de políticas monetárias extraordinariamente flexíveis, caracterizadas por taxas de juros negativas e um estímulo contínuo para manter a economia em crescimento. Essa abordagem fez do iene uma das moedas preferidas para operações de carry trade. Investidores globais aproveitavam a política de juros baixos para contrair empréstimos em ienes e alocar esses recursos em ativos que oferecessem retornos mais elevados em outras partes do mundo. Essa estratégia gerou um fluxo massivo de capitais fora do Japão, impactando mercados globais e contribuindo para a estabilidade do iene em relação a outras moedas.

No entanto, o Banco Central Japonês alterou recentemente o curso dessa política, elevando as taxas de juros pela primeira vez em muitos anos. Essa mudança marca o fim de uma era e sinaliza o início de um novo capítulo para a economia japonesa. As razões para essa decisão são múltiplas, incluindo pressões inflacionárias, a necessidade de normalizar a política monetária e a busca por uma maior estabilidade financeira doméstica.

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Figura 1: Evolução da taxa básica de juros do Japão nos últimos 30 anos (Fonte: Tradingeconomics.com | Bank of Japan)

Essa alta de juros  tem provocado instabilidade nos mercados acionários japoneses. A redução nas margens de operações de carry trade desencadeou uma reavaliação dos ativos denominados em ienes e uma retração na confiança dos investidores. A volatilidade observada nos últimos meses reflete essa nova realidade, onde a era dos juros negativos, que durante tanto tempo sustentou um equilíbrio frágil no mercado japonês, chega ao fim.

As implicações dessa mudança vão além das fronteiras do Japão. O aumento dos juros também pode influenciar os fluxos de capital global, com potenciais impactos nas taxas de câmbio e nos mercados financeiros de outros países. Para investidores que há muito tempo contavam com o Japão como uma fonte de financiamento barato, a necessidade de ajustar estratégias pode levar a uma realocação significativa de ativos, exacerbando a volatilidade nos mercados globais.

Além disso, o movimento do Banco Central Japonês pode ser visto como um precursor de ajustes em outras economias que também mantiveram políticas monetárias ultra flexíveis. O mundo observa de perto, já que o Japão frequentemente atua como um laboratório de experimentos econômicos que, eventualmente, se propagam para outras regiões.

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Desistência de Biden 

O cenário político nos Estados Unidos sofreu uma reviravolta significativa nas últimas semanas, com a inesperada desistência de Joe Biden de buscar a reeleição e a assunção de Kamala Harris como a candidata presidencial do Partido Democrata. Essa mudança inesperada ocorre em meio a um ambiente político altamente polarizado e tumultuado, exacerbado pela recente tentativa de assassinato do ex-presidente Donald Trump.

A decisão de Biden de não concorrer novamente à presidência adiciona uma nova camada de incerteza ao cenário político e econômico dos Estados Unidos. A transição para Kamala Harris como a candidata oficial do Partido Democrata pode influenciar a direção das políticas domésticas e internacionais do país, com potenciais repercussões para a economia global.

Kamala Harris, que serviu como vice-presidente durante o mandato de Biden, herda uma base de apoio que inclui tanto moderados quanto progressistas dentro do Partido Democrata. No entanto, a campanha eleitoral promete ser desafiadora, dado o contexto atual de polarização política e a forte oposição do Partido Republicano, especialmente com a figura de Trump ainda exercendo uma influência significativa entre seus seguidores e fortalecida após o atentado.

A incerteza gerada pela mudança de liderança pode afetar a confiança dos investidores e o comportamento dos mercados financeiros. A política econômica dos Estados Unidos nos próximos meses será crucial para determinar como essa transição impactará a recuperação econômica e a estabilidade global.

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Risco de recessão nos EUA

A economia dos Estados Unidos, após um período prolongado de crescimento robusto, começa a mostrar sinais de desaceleração. Indicadores econômicos recentes, especialmente aqueles relacionados ao mercado de trabalho, têm gerado preocupações crescentes sobre a possibilidade de uma recessão iminente. O aumento da taxa de desemprego, combinado com a queda nas contratações e o enfraquecimento da demanda por mão de obra, sugere que a economia americana pode estar se aproximando de um ponto de inflexão.

Historicamente, o mercado de trabalho tem sido um dos principais indicadores antecedentes de recessões nos Estados Unidos. A combinação de um mercado de trabalho fraco com outros sinais de alerta, como a inversão da curva de juros, intensificou as preocupações entre economistas e formuladores de políticas. A inversão da curva de juros, que ocorre quando os rendimentos dos títulos de curto prazo superam os de longo prazo, é tradicionalmente vista como um sinal de que os investidores esperam uma desaceleração econômica futura.

Desde o início da pandemia, o governo dos Estados Unidos implementou medidas fiscais e monetárias sem precedentes para sustentar a economia. No entanto, o impacto dessas medidas começa a se dissipar, enquanto os desafios econômicos, como o aumento da inflação e a desaceleração do crescimento, persistem. A questão agora é se a economia americana conseguirá evitar uma recessão completa ou se uma desaceleração moderada pode ser administrada sem grandes impactos.

A possibilidade de uma recessão nos Estados Unidos tem implicações profundas para a economia global. Como a maior economia do mundo, qualquer desaceleração significativa nos EUA pode afetar cadeias de suprimentos globais, fluxos comerciais e o sentimento dos investidores. A expectativa de que o Federal Reserve possa começar a reduzir as taxas de juros para estimular a economia acrescenta outra camada de complexidade. Embora cortes de juros possam aliviar a pressão de curto prazo, eles também indicam um reconhecimento de que a economia está em uma trajetória descendente.

Para a Múltiplos, a recessão nos Estados Unidos nunca saiu do radar. Nossos relatórios anteriores já destacavam os riscos de uma desaceleração econômica, especialmente à luz da expansão fiscal e monetária observada durante a pandemia. A combinação de déficits fiscais elevados, um aumento na dívida pública e a emissão monetária em larga escala cria um ambiente no qual a economia pode ser mais vulnerável a choques. Portanto, permanecemos cautelosos em nossas projeções e continuamos a monitorar de perto os desenvolvimentos econômicos nos Estados Unidos.

Corte de Juros

Diante do cenário econômico desafiador, a expectativa de cortes nas taxas de juros nos Estados Unidos ainda em 2024 ganhou força entre os analistas de mercado. Com o risco de recessão aumentando, o Federal Reserve enfrenta uma decisão crítica sobre como ajustar sua política monetária para mitigar os impactos negativos sem exacerbar as pressões inflacionárias.

A previsão do mercado é que o Fed possa reduzir as taxas em cerca de 0,75% até o final do ano. Essa expectativa reflete uma tentativa de reativar a economia e prevenir uma recessão prolongada. No entanto, a implementação de cortes de juros em um ambiente de inflação persistente é uma tarefa delicada. O Fed precisa equilibrar a necessidade de estimular o crescimento com o risco de alimentar ainda mais a inflação, o que poderia corroer o poder de compra dos consumidores e enfraquecer a confiança dos mercados.

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Figura 2: PCE – Inflação de Preços ao Consumidor (% a.a) – Fonte: BTG Pactual

Os cortes de juros também podem ter implicações significativas para os mercados financeiros globais. Uma redução nas taxas de juros nos Estados Unidos tende a diminuir o diferencial de juros entre os EUA e outras economias, como o Brasil, o que pode resultar em um enfraquecimento do dólar. Essa dinâmica poderia beneficiar moedas de mercados emergentes e atrair fluxos de capital para ativos de maior risco, como ações.

No entanto, essa movimentação dos mercados dependerá da percepção dos investidores sobre a gravidade da recessão nos EUA. Se o cenário de recessão se materializar de forma mais severa, os cortes de juros podem não ser suficientes para restaurar a confiança, levando a uma possível fuga para ativos de refúgio, como o ouro e o próprio dólar para o investidor emergente.

A possibilidade de cortes de juros em 2024, embora bem-vinda por alguns setores, também levanta questões sobre a sustentabilidade da recuperação econômica. Uma redução nas taxas de juros pode oferecer um alívio temporário, mas não resolve os problemas estruturais subjacentes que ameaçam a economia dos Estados Unidos. Portanto, enquanto o mercado antecipa essa mudança na política monetária, a Múltiplos mantém uma abordagem cautelosa, enquanto acompanhamos a movimentação de preços para possíveis oportunidades e investimentos.

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O que está acontecendo é bom ou ruim para mercado brasileiro?

As recentes mudanças no cenário econômico e político global levantam questões importantes sobre os impactos para o Brasil. A antecipação de cortes nas taxas de juros nos Estados Unidos, por exemplo, pode ter efeitos mistos na economia brasileira.

Por um lado, a redução no diferencial de juros entre Brasil e EUA pode enfraquecer o dólar, o que beneficiaria o real e poderia atrair fluxos de capital para ativos brasileiros, como ações e títulos. Esse cenário seria particularmente favorável se a recessão nos EUA for fraca ou moderada e se o Brasil conseguir manter uma trajetória de crescimento econômico estável.

Além disso, um dólar mais fraco pode ajudar a conter a inflação no Brasil, reduzindo o custo de importação de bens e serviços. Isso poderia aliviar a pressão sobre o Banco Central do Brasil para aumentar as taxas de juros, permitindo uma política monetária mais acomodatícia, que apoiaria o crescimento econômico.

No entanto, esse cenário positivo depende de diversos fatores, incluindo o desempenho da economia dos Estados Unidos e a resposta dos mercados globais às mudanças na política monetária do Fed. Se a recessão nos EUA for mais severa do que o esperado, os impactos negativos podem se espalhar para outras economias, incluindo o Brasil. Nesse caso, a demanda global por commodities brasileiras poderia diminuir, afetando as exportações e pressionando o real.

Além disso, um cenário de recessão global poderia provocar uma fuga para ativos de refúgio, como o dólar e o ouro, revertendo os ganhos cambiais e aumentando a volatilidade nos mercados financeiros brasileiros.

Paralelamente, o Banco Central do Brasil tem sinalizado uma postura mais conservadora, mesmo em um cenário de cortes de juros globais. Embora uma alta de juros no Brasil seja improvável, Gabriel Galípolo, principal candidato a substituir Roberto Campos Neto na presidência do Bacen, mencionou que um aumento na taxa Selic não está fora de consideração. Galípolo destacou a importância de manter a consistência no combate à inflação, mesmo com a mudança de liderança prevista para o final de 2024.

Embora a possibilidade de alta de juros possa parecer uma mensagem "pessimista" por parte do Banco Central, a manutenção da atual linha de pensamento na gestão do Bacen, refletida na postura do principal candidato à sucessão, foi, na verdade, vista como um alívio pelo mercado, que receia mudanças drásticas na condução da política monetária.

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